É comum vermos, em aulas de Taijiquan (Tai Chi Chuan), professores orientando os alunos a colocar sua intenção aqui ou ali, e dizendo que Qi, a energia, segue Yi, a intenção. Mas raramente pensamos a respeito de como o Yi influencia a prática quando você não está dirigindo a Intenção conscientemente.
A forma mais profunda pela qual o Yi determina como você se move é a sua Imagem Corporal. Na verdade isso acontece desde muito antes de você ter iniciado sua prática. Você vê o seu corpo de uma determinada forma, e a forma como o seu cérebro comanda seu movimento está diretamente subordinada à forma como você enxerga o seu corpo. Então, é necessário que pensemos a respeito de como a Cultura influencia o modo como você enxerga o corpo.
Toda a Cultura Ocidental, onde fomos criados, está apoiada sobre a filosofia de Platão e Descartes. Platão era um racionalista, argumentando que o conhecimento verdadeiro só pode ser obtido através da razão, e que os sentidos não merecem confiança. Isso acabou levando, com os séculos, à crença de que o que é medido objetivamente é mais confiável ou até mais real que aquilo que é sentido. Isto é algo muito significativo, e criou consequências enormes para nossas vidas.
Descartes, por sua vez, acreditava que para investigar um problema, ele devia ser analisado, ou seja, ele devia ser quebrado em pequenos pedaços, que seriam examinados individualmente. O problema então era remontado, e esperava-se que o conhecimento do funcionamento de cada parte explicasse como o todo funcionava depois de ser remontado. Do mesmo modo, ele acreditava que o corpo era semelhante a uma máquina, o que quer dizer que suas partes e funções poderiam ser separadas e seu funcionamento individual, uma vez explicado, seria suficiente para explicar o funcionamento do corpo como um todo. É por isto que olhamos para o nosso corpo como se ele fosse constituído de partes. Isto não é uma “verdade sobre a realidade”, isso é uma crença que molda o modo como você vê a realidade.
As idéias de Platão e Descartes moldaram todo o pensamento científico do Ocidente, e possibilitaram inúmeras conquistas incríveis. Elas nos trouxeram a cirurgia cardíaca, métodos de diagnostico por imagem, e a viagem espacial; e elas livraram o ser humano de crendices e superstições. Por outro lado, elas também criaram alguns problemas. Veja bem que isto não é uma crítica à Ciência nem à Descartes. O que eu quero dizer é que podem existir outras maneiras de olhar para si mesmo, e você é livre para escolher de acordo com a situação.
Se entendermos a Natureza como algo que devemos analisar – quebrar em pedaços – para vermos como eles funcionam, veremos o nosso corpo do mesmo modo, e acreditaremos que o corpo é um conjunto de cabos e alavancas, e que o movimento do corpo nada mais é que a soma das operações desses cabos e alavancas. Esta forma de pensar molda a forma como nós vemos o nosso próprio corpo, já que somos doutrinados desde a infância nessas idéias. Elas moldam a forma como nos exercitamos habitualmente, e elas determinam a forma como comandamos o nosso corpo com a nossa mente. Essas idéias moldam o nosso Yi, a nossa Intenção. Por isto, quando nos movemos, tendemos a pensar em mover esta ou aquela parte, em usar este ou aquele músculo, e tendemos a explicar o movimento sob a ótica de que músculos são usados.
Por outro lado,se entendermos que a Natureza é um ambiente ao qual nos adaptamos mais ou menos instintivamente, desenvolveremos modos de movimento que são reações ao ambiente. Não há muito tempo, talvez 20 ou 30 anos, os exercícios que eram feitos com pesos com o objetivo de isolar grupos musculares evoluíram para os chamados “exercícios funcionais”. Agora, as pessoas fazem exercícios criando ondas em cordas muito pesadas, ou giram pesos em volta do corpo. Isso é uma evolução enorme, em relação à tentar isolar grupos musculares, pelo simples fato do corpo todo ser usado como um conjunto.
Há aproximadamente 10 anos, vêm aparecendo modalidades chamadas de “movimento natural”, em que as pessoas percorrem trajetos onde precisam se pendurar, agachar, correr em trilhas e subir cordas. Se você observr bem, isto não é muito diferente de treinamentos militares que, onde o soldado sobre uma parede, pula para baixo, rasteja, pendura-se sobre um fosso. Isso é uma evolução maior ainda, para além do exercício funcional, pois aí o corpo é usado num ambiente real.
Há no entanto uma terceira opção. Se procurarmos por uma ordem profunda na Natureza, e entendermos a Natureza como obedecendo alguns princípios organizadores, e se olharmos para isto de uma forma holística, procuraremos pela mesma ordem nos nossos corpos. Pensaremos sobre como mover nossos corpos em harmonia com essas leis e princípios naturais, e descobriremos que o todo é muito mais que a soma das partes individuais. Encontraremos os princípios por trás da Natureza, e aplicaremos esses princípios aos nossos corpos.
Se você quer aprender Taijiquan (Tai Chi Chuan), o passo mais importante e mais determinante é mudar de idéia a respeito de si mesmo, mudar o modo como você vê o seu corpo. O Yi, a intenção, determina como você se move, e a imagem corporal que você tem de você mesmo é uma forma profunda de Yi.