Gong significa trabalho, e Qi tem várias traduções possíveis, sendo uma das mais precisas “sopro vital”. A tradução mais popular é sem dúvida “energia”, que não chega a ser uma má tradução desde que não se faça confusão com o conceito físico de energia. Assim, Qigong significa literalmente “trabalho sobre o sopro vital”. O termo Qigong pode ser aplicado então a qualquer exercício que vise influenciar a circulação do sopro vital no corpo humano.
Nos tempos antigos o Qigong recebeu vários nomes diferentes, como xingqi (promover e circular o Qi), fuqi (tomar Qi), tuna (expirar e inspirar), daoyin (induzir e conduzir o Qi), shushu (contar a respiração), zuochan (meditação sentada), shiqi (viver do Qi), jingzuo (sentar quieto), e wogong (exercício deitado), entre outros.
História
Desde a época da etnia Yao já se sabia que a dança podia ser útil para fortalecer a saúde: no capítulo intitulado “Sobre a Música Antiga” dos Anais de Outono e Inverno de Lu, pode-se ler
o Yin tende a estagnar (…) e acumular-se nas profundezas do corpo, (…) os músculos e ossos enrijecem e encurtam e não podem mais estender-se apropriadamente, então a dança é criada de acordo para remover a estagnação e a obstrução.
Com o tempo algumas danças evoluíram para exercícios físicos e terapias envolvendo a respiração.
Na dinastia Zhou (sec. XI a.C. a 771 a.C.) havia inscrições a respeito de Qigong em objetos de cobre, e nos escritos atribuídos a Laozi (sec. VI a.C.) há menção a métodos respiratórios. Na tumba nº 3 de Mawangdui, em Changsha, na província de Hunan – China, foi encontrado um livro de seda com o título “Sobre Abandonar a Comida e Alimentar-se de Qi” e uma pintura em seda com ilustrações sobre daoyin, ambos da dinastia Han do oeste (sec. 3 a.C.).
Clássicos da Medicina Tradicional Chinesa como o Neijing Suwen e o Tratado sobre Doenças Febris de Zhang Zhongjing, ambos da dinastia Han, expõem e sugerem métodos de Qigong para promover a saúde. Desde então renomados médicos como Sun Si-miao, Wang Tao, Li Shizen e Wang An, entre outros, mencionaram, descreveram e até criaram métodos de Qigong.
Variações
Existem várias dezenas de exercícios de Qigong diferentes, pertencendo à tradições diversas e com objetivos distintos. Muitos destes exercícios são benéficos à saúde e sua prática não oferece risco mesmo para pessoas com a saúde debilitada, outros exigem um preparo prévio grande e podem até ser causar danos ao praticante se não forem cultivados apropriadamente e seguindo à risca instruções detalhadas que chegam a envolver o estilo de vida do aprendiz.
Desta forma, ao decidir-se pela prática do Qigong o primeiro passo é definir qual o objetivo almejado. Pode-se dividir, a título didático, os exercícios de Qigong em três grupos de acordo com o objetivo: o Qigong terapêutico, o Qigong marcial, e o Qigong religioso. No entanto é preciso ter em mente que esta divisão é artificial e algumas vezes arbitrária, pois muitos exercícios podem ser usados para mais de um objetivo.
O Qigong terapêutico visa melhorar a saúde do praticante, seja tratando uma desarmonia já presente ou fortalecendo a saúde para tornar mais difícil que algum desarmonia se instale. Alguns exemplos de exercícios terapêuticos chineses são o Qigong dos Oito Brocados e o Qigong dos Seis Sons. O Qigong marcial tem como meta fortalecer o físico do praticante de modo a permitir que este receba impactos com o mínimo possível de dano e desfira golpes com o máximo de potência e efeito. Dois exemplos famosos são o exercício da Camisa de Ferro e o da Palma de Ferro. O Qigong religioso tem o objetivo de treinar a mente do praticante a atingir determinados estados de concentração necessários ao progresso na meditação, e de fornecer as condições físicas e energéticas para que estes estados possam ser atingidos.
A maioria dos exercícios de Qigong emprega visualizações, direção da atenção mental, e controle respiratório. Estas técnicas são utilizadas em várias combinações em graus diversos de intensidade, e podem ou não ser combinadas com movimentos físicos.
Algumas precauções
É essencial compreender, antes de iniciar a prática de qualquer exercício de Qigong, que muitos deles possuem contraindicações e que outros, se não forem ensinados com muita precisão e cuidado, podem causar danos à saúde do aluno, até mesmo irreparáveis. Por outro lado, muitos exercícios podem ser praticados livremente sem qualquer cuidado especial.
O Qigong da palma de ferro, por exemplo, pode levar à danos aos tendões e à energia do Fígado, e existem medidas importantes para evitá-los. Outros exercícios de Qigong marcial tinham o único objetivo de tornar um lutador rapidamente eficiente, por isto não incluíam nenhuma prevenção para manter a saúde do praticante a longo prazo.
Até mesmo exercícios terapêuticos como o Qigong dos seis sons podem causar problemas: o Grão Mestre Chen Xiaowang, ao ensinar este exercício, alerta os alunos sobre a precisão necessária ao reproduzir o timbre exato de cada som, sob pena de criar desequilíbrios no órgãos em lugar de regular as suas funções.
Já o Qigong dos Oito Brocados é um exercício simples e muito popular na China, adequado ao uso como instrumento de saúde pública, por ser de fácil execução, além de amplamente adaptável à forma física do praticante.
Qigong e Taijiquan (Tai Chi Chuan)
O Taijiquan (Tai Chi Chuan) inclui em sua progressão didática a aquisição da habilidade de dirigir o Qi. Por isto pode-se dizer que o Taijiquan (Tai Chi Chuan) inclui o Qigong. Até a 18ª geração da família Chen o Qigong do Taijiquan (Tai Chi Chuan) era aprendido quase que unicamente dentro da forma, pela repetição exaustiva desta durante anos até que os princípios de circulação do Qi tornassem-se claros naturalmente. Os Grão-Mestres da geração atual (a 19ª) da família Chen, levando em conta as dificuldades em implementar uma prática tão intensiva da maioria dos seus alunos, modernizaram a didática antes espartana e elaboraram os exercícios básicos de desenrolar da seda (Chansigong) e de postura da estaca (Zhanzhuang). Assim podemos dizer que estes são os exercícios de Qigong do Taijiquan (Tai Chi Chuan), embora é claro os princípios aprendidos com estes exercícios devam estar presentes durante toda a prática.
No entanto o Taijiquan (Tai Chi Chuan) difere de grande parte dos exercícios de Qigong em que não devem ser empregadas técnicas de visualização, de controle da respiração ou de direção da atenção mental com o objetivo de dirigir o Qi. O princípio fundamental do Taijiquan (Tai Chi Chuan) é a naturalidade: o caminho para atingir a habilidade de circular o Qi é fazer com o que o corpo forneça as condições para que isto aconteça. O corpo deve ser treinado com os exercícios de Zhanzhuang, de Chansigong e com a Laojia com a intensidade e durante tempo suficientes para que a postura e o movimento corretos do corpo permitam que a respiração ajuste-se por si só, e que o Qi circule espontaneamente com o movimento.
O Grão-Mestre Chen Xiaowang costuma dizer durante seus seminários: “Se você tem a postura e a respiração errados, você tem somente um erro; se você tem a postura errada e a respiração correta você tem dois erros”. Com isto o que está sendo explicado é que é um erro forçar a respiração de acordo com quaisquer normas, pois a respiração deve ser natural. Conforme o corpo for sendo modificado a respiração mudará espontaneamente sem que seja necessária interferência da vontade do aluno. Se você tentar fazer a sua respiração se aprofundar forçosamente com a sua mente a única coisa que conseguirá será mais rigidez. Primeiro é necessário corrigir o seu corpo, então você pode relaxar, e então a respiração automatica e naturalmente se aprofunda, mas isto não é controlado pela sua mente. A arte marcial do Taijiquan (Tai Chi Chuan) não é “arte marcial do controle da mente”: mais tarde é necessário chegar a um estado de não-mente, de mente vazia, o que quer dizer que não resta mente alguma que controle o que quer que seja, não há “eu quero” ou “eu desejo”, ou “eu tenho que”.
O mesmo aplica-se à circulação do Qi : é inútil imaginar a circulação do Qi durante o treinamento. O que tem que ser feito é ajustar a posição e o movimento do corpo com precisão suficiente para que o movimento do corpo cause a circulação do Qi. Assim como não é possível derrubar um adversário mais forte apenas por desejar, ou por concentrar-se bastante e imaginar, também não é possível forçar a circulação do Qi através da concentração ou de visualizações.