por Kimberly Ivy, discípula de 20ª geração do Grão-Mestre Chen Xiaowang. Kim aparece praticando na imagem acima.
O que faz da prática, prática?
Intenção. Graça. Humildade. Consistência. Rotina. Perfeição. Imperfeição. Motivação. Repousar da motivação. Atenção consciente. Fazer algo diferente. Fazer a mesma coisa repetidamente. Fluxo. Sentir-se bem. Diversão. Zamora, de nove anos de idade, que treina comigo há 4 anos, diz que prática é “repetir algo outra vez e mais uma vez, até que gradualmente você fique bom”. Eu adoro como uma criança de nove anos compreende o conceito de gradualmente! Então, o que faz da prática, prática? O tema que emergiu durante a última semana foi: intenção. Prática pode ser muitas coisas, mas primariamente é trazer nossa intenção consciente para o que quer que estejamos fazendo.
Uma aluna minha no Taijiquan (Tai Chi Chuan) , chamada Ellen, disse-me que prática vem do latim practicare, que quer dizer fazer, executar. De acordo com esta definição, qualquer coisa que alguém faça pode ser considerado prática. Ainda assim, os praticantes sabem que o conceito de prática tem um significado mais profundo. A própria Ellen faz uma distinção que eu aprecio: “para mim, praticar envolve repetição para atingir um nível de proficiência em alguma coisa, mas ter uma prática quer dizer estar completamente engajada em alguma coisa, porque ela é parte da minha vida. Ela me define de um modo que outras ações minhas não fazem”.
Ela me define de um modo que outras ações minhas não fazem. Este é um quadro poderoso para a prática. Além disso, vai direto ao coração da intenção.
Eu vim a sentir que Prática, para mim, é o ato intencional de trazer atenção consciente para o que quer que eu esteja fazendo. Poderia ser natação, Taijiquan (Tai Chi Chuan) , limpar minha casa, relacionar-me. Esta atenção consciente, para mim, traz com ela a intenção de melhorar. Como fazer uma braçada ficar mais longa e relaxada? Como conectar melhor meus movimentos com meu centro? Como estar presente enquanto limpo o banheiro? Como ouvir mais? Eu trago para minha prática não apenas a repetição, mas o ato de auto-reflexão: eu pratico e observo. Eu pratico novamente, eu refino, ajusto, desconstruo e construo de novo. Quando eu pratico desta forma, eu crio uma oportunidade de conhecer-me melhor. Gradualmente este hábito penetra no resto das minhas atividades. O resultado da Prática para mim, com o tempo, é que eu adquiro uma relação mais engajada com toda a minha vida.
Meu primeiro professor disse-me da prática que “o mais importante é a intuição”. O que isto quer dizer? Isto diz-me que praticar com intenção consciente impele-nos a estarmos mais acordados. Nós temos mais atenção durante as aulas, ouvimos mais nossos professores, nós lemos com mais interesee. Em algum momento, quando levarmos nossas aulas para fora da sala de aula, das páginas dos livros, e colocarmo-as no processo de prática, iremos para além da aula inicial, para um estado mais interiorizado, em que estaremos a sós com o que estamos praticando. E é neste estado que a intuição aparece. Nossa voz interna emerge, “e que tal deste jeito, como me sinto assim?”, nós nos perguntamos acerca da nossa própria experiência. É neste estado que a transformação significativa acontece.
No curso dos meus anos de prática, eu comecei a acreditar que nossa intuição nos leva a um instinto mais profundo. Este instinto está profundamente embutido em nossa humanidade, é o instinto de nos tornarmos melhores. Nós podemos sentí-lo. E para satisfazer este impulso frequentemente insconsciente, nós procuramos exepriências e professores para ajudar-nos, para mostrar-nos, para dizer-nos qual a direção. Nós podemos não saber o que ele é especificamente, então procuramos professores e experiências que acendam o fogo inato em nós – que tirem este impulso do seu estado dormente e que nos motivem neste caminho instintivo. A partir de um certo ponto cabe a nós atiçar o fogo, trazer mais combustível. Isto é a prática. Conforme abanamos e assopramos, e procuramos por mais combustível, nós nos tornamos mais fortes, mais capazes, mais determinados, e nos tornamos mais conscientes. Com o tempo, tornamo-nos aptos a recebermos ensinamentos em níveis mais profundos.
Frequentemente dizemos a nós mesmos, “mas eu não posso praticar sozinho”, ou “eu vou praticar errado”, ou “eu vou tomar um caminho errado”. Verdadeiramente, estas são as piores coisas em que poderíamos acreditar. Pense nos bebês aprendendo a andar. Eles ainda não entraram na conversa do “eu não consigo”. Eles nem sabem que pensar assim é possível. Eles simplesmente saem cambaleando, empurrando e se agarrando, caindo e se levantando novamente. Algo dentro deles faz com que se levantem, cresçam, desenvolvam-se, melhorem, e persistam até que consigam. E após aprender a andar, quanto desenvolvimento ainda é possível para o ser humano? Tanto mais!
Assim, quando interrompemos o processo de prática com atividade mental negativa (e “eu não consigo fazê-lo” é realmente uma escolha intencional), fechamos a porta para o nosso crescimento e para tudo que nos está disponível. Negamos nossos instintos naturais, nosso direcionamento intuitivo. Com o tempo, tornamo-nos gradualmente menores, mais fracos, frágeis, menos conectados. É uma morte terrível, porque continuamos respirando mas não estamos crescendo. Os seres humanos são os únicos seres vivos que têm a habilidade de separar-se propositadamente da sua própria natureza. Os animais não o fazem, as plantas não o fazem, e nem mesmo os bebês o fazem. É somente quando nos tornamos “sábios” o suficiente para podermos fazer esta escolha, que podemos fazê-lo. É uma grande tristeza que tantas pessoas, quando ficam tão sábias, usem sua inteligência desta maneira. Intencionalmente, voluntariamente, propositalmente e consistentemente permitindo que o seu fogo se apague e morra.
Eu também sou humana, e conheço bem esta opção. A inércia de ficar sentada no sofá, cedendo à preguiça, é muito tentadora. Permanecer sonâmbula nas relações, e deixar a vida passar acenando. Não é que eu não faça estas escolhas – eu as faço. E tenho medo quando as faço. Eu diria que a Prática de fato é minha escolha consciente para manter-me viva. Não quero dizer apenas vivendo – eu posso manter-me alimentada, protegida e vestida. Eu quero dizer realmente viva. Engajada, motivada, refletindo sobre mim, intuitiva, vivamente viva. Às vezes, é uma escolha feroz. Uma escolha dura. Mas eu tenho medo de carvão apagado. E eu confio profundamente no fogo da Prática para manter-me indo adiante.
Confiança é, para mim, o componente mais importante do que faz da prática, Prática. Conforme eu me harmonizo e intencionalmente nutro meu desejo humano de crescer e melhorar, conecto-me muito intimamente com um mundo maior que está fazendo exatamente o mesmo. Eu olho em volta agora: é primavera, as plantas estão brotando do solo, botando botões, florescendo. Enquanto eu pratico, mantenho meu próprio crescimento alimentado, e isto impede que o vento gelado da complacência sopre na minha nuca.
Minha profissão é acender e manter o fogo da Prática em outras pessoas. Ao fazê-lo, vejo alguns que praticam, e outros que não. Tento de diversas maneiras manter as várias chamas acesas e ensinar como fazê-lo por conta própria. Algumas vezes tenho sucesso, outras não. Mas aprendi a reconhecer que a única coisa que posso realmente fzer é manter minha própria prática viva, e desta forma oferecer o exemplo. A Prática mostrou-me com o tempo que eu não sou de nenhum modo perfeita, e nunca serei. Na verdade, a Prática eliminou a meta da perfeição. A Prática revelou-me que, na verdade, há dias em que nem mesmo sei se conseguirei manter minha própria prática nutrida com o passar do tempo. A Prática mostrou-me que não é um processo automático de inspiração-e-motivação. A verdade é a seguinte: há dias monótonos, e às vezes há anos monótonos.
No entanto, também há momentos – e por favor ouçam quando digo momentos (não dias, semanas, décadas) – quando eu me sinto completamente conectada. Eu me sinto com. Com? Com a a natureza, com respiração, com as pessoas ao meu redor, com pássaros cantando. Eu mesma, com. E quando eu pratico, não pratico para conseguir estes momentos, e sei que possivelmente não os sinta por bastante tempo. Eu não pratico para obter momentos de conexão, eu pratico por que sei que eles existem. A Prática me dá o veículo, o hábito, a disciplina, e mais importante a confiança de manter-me acesa, não importa o que aconteça. A Prática me apóia, e então, por algum ato de Graça e Humildade, me revela.